Omí é uma menina negra, filha de africanos, moradores do Quilombo da Lagoa da Conceição no século XIX. A personagem feita no estilo maricotão é muito conhecida pelos alunos no Núcleo de Educação Infantil do Canto da Lagoa, em Florianópolis. Através da história de Omí, do índio Itá e da menina Joana, o pequenos estão vivenciando desde 2014 uma nova maneira de aprendizado, que mistura arte, cultura, educação socioambiental e conhecimento da história do lugar onde vivem.
A etapa “Nas águas com Omí” é mais uma do projeto “Conhecendo o Canto e cantando suas histórias”, desenvolvido pela artista Rosana Moraes de forma voluntária no NEI Canto com apoio do Projeto UÇÁ. Junto com Omí, os alunos irão trilhar os caminhos e ecossistemas que cercam a escola e suas casas. Na primeira parada, na Barra da Lagoa, em 15 de abril, as crianças entenderam o que é um ecossistema de transição entre a terra e o mar, e que naquele local, a Lagoa da Conceição, conhecida de todos eles, se encontra com o mar.
— Os maiores conseguiram entender bem o canal da Barra, mas todos ficaram encantados de ver os peixes, os barcos, pescadores. No ano passado eles já tinham visitado o Projeto Tamar, então criamos a ciranda da Tartaruga Maria _ conta Rosana.
Na última quarta-feira, foi a vez de conheceram a Lontra Iracema. A dinâmica começa com um vídeo em sala de aula com imagens de lontras, que muitos dos pequenos nunca tinham visto. De forma lúdica, as professoras falam sobre o animal, que quase não existe mais na Lagoa da Conceição. Depois disso, é hora de brincar em frente à lagoa, cantando a música criada por Rosana. “Olha a lontra na Lagoa, deslizando sem parar”. Em roda e no colchonete, os pequenos de 2 a 6 anos aprendem se divertindo a deslizar como as lontras.
Cantando suas histórias
A iniciativa de fazer um projeto que aliasse música com educação socioambiental surgiu enquanto Rosana trabalhava com teatro comunitário no bairro. Estudiosa de etnomusicografia, a gaúcha radicada na Lagoa há mais de 30 anos resolveu doar seu tempo para a comunidade que a acolheu, nas escolas que seus filhos estudaram e hoje o neto frequenta:
— Quando começamos o projeto em 2014 e já tivemos um retorno enorme dos pais. A comunidade se apossou dele, lembrou de suas origens. Comecei a estudar a colonização da Lagoa, a história dos africanos que viveram aqui nos anos 1800 a 1880. Levamos as crianças em um engenho de farinha muito antigo que ainda existe. A sensibilização vai crescendo junto com o aprendizado, as crianças se dão conta do seu papel social e na natureza, e falam disso em casa — explica.
Os três personagens criados — Joana, Itá e Omí — viveram cada um no seu tempo na região do Canto da Lagoa, mas podem se unir para resolver os problemas da natureza. Todos fazem parte da história “A Flor do Amor”. Joana representa as heranças açorianas. Com ela os pequenos aprenderam sobre a canoa de Garapuvu, sobre os engenho de farinha. Com o índio Itá, ganharam uma nova visão sobre os indígenas que povoaram e ainda vivem na região, que para muitos existiam só nos livros e imaginário. Visitaram a aldeia Guarani em Biguaçu, e brincaram com crianças que não falavam o mesmo idioma que eles:
— Foi uma experiência maravilhosa. Todos se divertiram e se entenderam perfeitamente. Quebrou aquele visão que muitos tinham dos índios como pedintes no Centro da cidade — contou.
A menina negra Omí veio em 2016 para trabalhar as questões relacionadas ao preconceito. Os resultados vão além do aprendizado, destaca Rosana:
— As bonecas negras, que antes eram deixadas de canto, agora são disputadas, pois todas querem brincar de ser Omí.
A medida que os encontros semanais acontecem, novos personagens vão surgindo, sempre acompanhados das canções criadas pela voluntária. Além da lontra Iracema e da tartaruga Maria, as crianças já cantaram o tucano Luiz, a graxaim Lise e a Estrela Martinha, esta última em homenagem a uma coleguinha do NEI que faleceu.
As músicas fizeram tanto sucesso que, no final de 2015, foi gravado o 1º volume do CD, com as vozes das crianças e da cantora em estúdio, que está em fase de finalização para ser entregue às famílias. No segundo semestre será gravado o 2º volume com as novas canções.
Projeto reconhecido
Além da comunidade escolar reconhecer a importância do projeto, a iniciativa já foi premiada nacionalmente em 2014, e foi uma das ganhadoras do prêmio nacional “Escola: lugar de brincadeira, cultura e diversidade”, promovido pelo Ministério da Cultural em pareceria com a Universidade Federal do Ceará.
A diretora da unidade, Solange Nunes, conta que com a premiação de R$ 10 mil, serão realizadas oficinas de corte e costura e audiovisual para a comunidade:
— Quando nos inscrevemos colocamos que o benefício seria para a toda a comunidade. Também utilizamos para as saídas de estudos e vamos publicar o livro “Flor do Amor”, que será bordado por bordadeiras até o fim do ano — conta.