Caiu parte da censura imposta ao Blog do Marcelo Auler pela Justiça do Paraná, a pedido do Delegado Maurício Moscardi Grillo.
Infelizmente, não caiu por absurda que foi, mas por um prosaico erro processual cometido pelo delegado da PF, que entrou com o processo numa Vara que não abrangia seu domicílio e, percebido o erro, a “emendou” com o endereço profissional sem, contudo, dele apresentar comprovante.
Coisa, diria minha avó, de “cabo-de-esquadra”, estranha sobretudo partindo de um profissional formado em direito e com farta intimidade com os requisitos de jurisdição.
Resta uma ação, ainda, a da delegada Érika Mialik Marena, que mantém suspensas duas matérias por ela consideradas ofensivas e mentirosas.
Tudo indica que a repercussão da censura está provocando um recuo de quem se viu colocando a mão num vespeiro.
Leia a história:
Ao descobrir um erro na inicial da ação, que passou desapercebido por técnicos do Juizado e até pela nossa leitura, a juíza Vanessa Bassani, do 12° Juizado Especial de Curitiba, extinguiu, na segunda-feira (13/06), a ação de indenização proposta pelo delegado Maurício Moscardi Grillo contra este blog.
Com isto, caiu a liminar que ela concedeu em 5 de maio determinando a retirada de oito reportagens aqui postadas e nos impedindo de “divulgar novas matérias com conteúdo capaz de ser interpretado como ofensivo ao reclamante, sob pena de adoção das medidas coercitivas pertinentes”. Esta ordem foi interpretada por todos como “censura prévia” e gerou protestos no Brasil e no exterior, como mostramos nos últimos dias.
As oito matérias censuradas já estão disponíveis no blog para leitura:
Lava Jato, cai o delegado das mordomias do Paraná (08/04);
Policia Federal sem verba para a Luz, mas com mordomias (11/02);
Lava Jato: Moro reacendeu as suspeitas do grampo ilegal na PF (23/01)
Investigações da Lava Jato: dois pesos e duas medidas (30/12)
Lava Jato: surge nova denúncia de irregularidade (06/12)
Lava Jato: DPF delega investigação do vazamento (02/12)
Grampo da Lava Jato: aproxima-se a hora da verdade (21/11)
Lava Jato: surgem mais grampos na PF-PR. “Grampolândia”? (04/11)
Por força da decisão do juiz Nei Roberto de Barros Guimarães, do 8° Juizado Especial de Curitiba, permanecem impedidas de serem visualizadas pelo público duas postagens cuja censura foi solicitada pela delegada federal Erika Milalik Marena. São elas:
Carta aberta ao ministro Eugênio Aragão (22/03);
Novo ministro Eugênio Aragão brigou contra e foi vítima dos vazamentos (16/03);
A ação do delegado Moscardi extinta pela juíza Vanessa Bassani, na verdade era a segunda que ele tinha proposto contra este blog. Na primeira tentativa, o processo de indenização por danos morais e censura ao blog foi distribuído ao 11º Juizado Especial de Curitiba. Mas acabou rejeitado pela juíza Flávia da Costa Viana, que decretou sua extinção.
Incompetência territorial – A decisão da juíza Flávia respaldou-se na constatação da secretaria do Juizado de que o delegado apresentou endereço residencial no bairro de Santa Felicidade, o que inviabilizava o ajuizamento de ação no Juizado Especial do Centro de Curitiba. Como foi lembrado pela magistrada, o bairro em que Moscardi reside é atendido por outro fórum, o de Santa Felicidade. Por isso, ela extinguiu o processo alegando incompetência territorial.
Caberia ao delegado e à sua advogada, Márcia Eveline Mialik Marena, reapresentarem a ação no juizado do bairro. Mas eles preferiram simplesmente modificar o endereço na inicial da ação, citando o da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, à rua Sandália Monzon, no bairro de Santa Cândida, no qual Moscardi trabalha.
Os dois, porém, cometeram um erro grosseiro. Nos documentos anexados à inicial, apresentaram como prova residencial a conta de energia da casa do delegado, no bairro de Santa Felicidade. Assim, na ação, eles citavam o endereço profissional, mas apresentavam prova do endereço residencial. Desleixo?
O erro passou desapercebido pela secretaria do Juizado, pela juíza e até por mim, que li a inicial e não reparei nos documentos anexados. Mas, ao voltar a analisar o processo após apresentarmos nossa manifestação sobre a reclamação que o delegado fez pedindo medida coercitiva contra o blogueiro – Delegado reclama do blog, pede segredo de Justiça e medida coercitiva contra jornalista – a juíza Bassani notou a discrepância de uma ação impetrada no juizado do centro de Curitiba com endereço residencial de um bairro sede de um Juizado Especial. Imediatamente ela extinguiu o processo pelo mesmo motivo apresentado por sua colega: incompetência territorial.
Censura de duas matérias -Agora, caso queira, Moscardi terá que apresentar um nova ação no juizado do bairro em que mora. Diante da repercussão que o caso teve, inclusive em órgãos de defesa dos jornalistas no Brasil e no exterior – veja em Elio Gaspari: “O ‘CALA-BOCA’ VAI BEM, OBRIGADO”; Da Folha de S.Paulo: Operação Censura; Jornalismo nas Américas: “a censura (no Brasil) tem sido prática recorrente”; O repúdio à Censura ao blog continua no Brasil e no exterior; ABI e Abraji protestam contra a censura imposta ao blog; e ainda A censura agora veste toga – é muito pouco provável que nova censura seja decretada, tal como Moscardi gostaria.
Resta-nos agora, através dos advogados Rogério Bueno da Silva, Tarso Cabral Violin e Thaisa Wosniack, do escritório Rogério Bueno, Advogados Associados, que defendem o blog no judiciário do Paraná, suspender a liminar obtida pela delegada Érika Mialik Marena, que mantém suspensas duas matérias por ela consideradas ofensivas e mentirosas. Os advogados tentarão mostrar ao juiz Nei Roberto de Barros Guimarães, do 8° Juizado Especial, que sua decisão colide frontalmente com julgados anteriores do Supremo Tribunal Federal. Sem falar que o blog possui documentos e testemunhas de tudo o que afirmou nas mesmas.
Protestos e solidariedade – Enquanto isso, continuamos recebendo solidariedade e notícias de protestos por conta desta censura. Não apenas nós, mas também os colegas do jornal Gazeta do Povo, no Paraná, que respondem a mais de 40 processos ajuizados por juízes e promotores paranaenses, por conta da reportagem falando dos altos salários que a magistratura e o Ministério Público recebem.
A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) exibiu em sua página reportagens sobre estes assuntos: Censura judicial prévia contra jornalista imposta durante a Lava Jato ganha repercussão internacional e Série de ações de magistrados contra a Gazeta do Povo visa intimidar e não obter justiça, diz ANJ.
Também a reportagem publicada pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas em Austin (EUA) já foi reproduzida no site deles em inglês – Brazilian journalist fights against judicial censorship during Operation Car Wash – e em espanhol: Periodista brasileño lucha contra censura judicial impuesta durante la Operación ‘Lava Jato’. Como noticiamos, o Centro de Proteção aos Jornalistas, entidade sediada em Nova Iorque, denunciou o caso em seu site. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos (Abraji) foram outras que protestaram.
Perseguição em Vitória (ES) – Em Brasília, o deputado Chico Alencar, do PSOL do Rio de Janeiro, registrou protesto nos anais da Câmara dos Deputados (leia acima). O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) movimenta-se para levar o caso da censura e dos processos contra jornalistas para um debate na Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Mas não pretende abordar apenas a situação do nosso blog e as ações contra os repórteres da Gazeta do Povo no Paraná. Convidará o jornalista Rogério Medeiros, editor do jornal eletrônico Século Diário, de Vitória (ES).
Prestes a completar 16 anos de história, o Século Diário sofre um cerco judicial nos últimos anos. A publicação e seus jornalistas respondem a mais de 50 ações, entre casos cíveis e criminais. A perseguição teve início após a publicação de denúncias contra magistrados relacionados à operação da Polícia Federal denominada “Naufrágio”, deflagrada em 2008.
Hoje, agentes políticos e os principais clãs do Judiciário capixaba promovem um verdadeiro assédio processual. Medeiros já foi alvo de três condenações à prisão pelos denominados “crimes contra a honra” – calúnia, injúria e difamação. Mais recentemente, a publicação foi alvo de censura prévia, além de obrigada a retirar matérias contra o governador Paulo Hartung (PMDB). O juiz de 1º grau proibiu, inclusive, a publicação de fazer qualquer referência à liminar.
Também em Brasília, o deputado Wadih Damous (PT-RJ) manifestou-se em vídeo sobre toda esta perseguição à imprensa. Para ele, tudo isso faz parte do golpe que derrubou a presidente Dilma Rousseff. (ouça abaixo):