Há algo de errado em enterrar o próprio filho. O filme italiano O Quarto do Filho, de Nanni Moretti, venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes 2001 ao mostrar o luto comovente de um pai que perde o filho.
Era a ficção nos fazendo falar de morte. Sete anos depois, na dolorida realidade, acompanhamos, quase como voyers televisivos cheios de empatia, a experiência devastadora de uma moça chamada Ana Carolina Oliveira, na época com 24 anos.
Em março de 2008, ela perdeu a filha, Isabella Nardoni, de 5 anos. A garotinha foi assassinada pelo próprio pai, Alexandre Nardoni, e pela madrasta, Anna Carolina Jatobá. Ambos estão cumprindo pena pelo assassinato. Jatobá, condenada a 26 anos. Ele, a 31 anos.
A pequena Isabella foi jogada da janela, em um crime que chocou o país. O sofrimento de Ana Carolina, a mãe, não foi vivido com privacidade. Seus passos eram notícia. Suas atitudes, observadas atentamente, compreendidas por alguns, julgadas por outros.
Oito anos depois, Ana Carolina está grávida. Talvez ela nem saiba, mas seu recomeço nos ensina a falar de luto: sua importância, sua particularidade, sua dificuldade. O luto entra na vida e a vida merece o luto, por mais que ele pareça inconveniente a uma sociedade que nos pressiona a ser funcionais e felizes o tempo todo.
Em entrevista à Veja São Paulo, Ana Carolina, hoje com 32 anos, disse que precisou de auxílio para enfrentar a tragédia. “Chega uma hora em que a dor sufoca de tal forma que você precisa da ajuda de um profissional”, ela conta.
Ana Carolina diz que fez terapia três vezes por semana e teve apoio da família e da religião. “Até certo ponto, você aguenta sozinha. Mas tem uma hora em que a dor sufoca. Eu demorei dois meses para procurar terapia e cheguei a fazer três sessões por semana. Nos primeiros meses, o caso da minha filha aparecia todos os dias na TV”, ela relata à reportagem.
“Durante o luto, a pessoa revê a sua vida e as expectativas que projetou para si e para a criança. Mas a exposição pública desse processo pode fazer com que ele se torne mais prolongado”, explica à Veja São Paulo a coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto da PUC, Maria Helena Franco.
Boa parte do luto de Ana Carolina foi televisionado. Em alguns momentos, entrevistas que ela dava lhe davam a sensação de ter sido usada, explica à reportagem.
Muitas pessoas vinham prestar solidariedade e a abordavam carinhosamente na rua, mas houve quem julgasse as atitudes dela, não importavam quais. “Se eu estava triste, me chamavam de coitada. Se sorria, era julgada por ter superado o luto.”
“Lutei para voltar a ser feliz, pois essa é a imagem que a minha filha tinha de mim”, diz Ana Carolina.
A gravidez está no oitavo mês e o bebê será um menino, Miguel. O marido, o administrador Vinicius Francomano, também sonha em ter um filho.
Esse é o percurso de Ana Carolina Oliveira. É particular e intransferível, conectado com o tempo e os sentimentos dela. Tão particular e intransferível como a dor de perder uma pessoa amada, assim como o momento em que cada um julga estar pronto para refazer a vida.