Por Aline Victor Lima, psicóloga e coordenadora do Núcleo de Psicologia Forense da BRAPSI*
Com a chegada do Halloween, cresce o interesse por filmes e séries de terror e, junto com ele, aumentam também os relatos de pessoas que passam mal ao consumir esse tipo de conteúdo. Sintomas como taquicardia, sudorese, ansiedade, crises de pânico e até desmaios são frequentemente relatados por quem se expõe a cenas de horror, mesmo ciente de que se trata de uma ficção. O fenômeno, longe de ser exagero ou “frescura”, tem explicações profundas na psicologia do medo e revela muito sobre o funcionamento da mente humana diante de estímulos ameaçadores, reais ou imaginários.
O medo é uma emoção primitiva e essencial para a sobrevivência da espécie, pois ativa mecanismos de defesa que nos preparam para lutar ou fugir diante do perigo. O cérebro humano, porém, não distingue com precisão uma ameaça real de uma ameaça percebida, e é por isso que, ao assistirmos a um filme de terror, regiões como a amígdala cerebral e o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal entram em ação, desencadeando reações fisiológicas como aceleração dos batimentos cardíacos, respiração ofegante, liberação de adrenalina e tensão muscular. Para o corpo, o monstro na tela pode parecer tão ameaçador quanto um predador de verdade.
Uma pesquisa publicada no periódico NeuroImage analisou como o cérebro reage a filmes de terror. Cientistas da Universidade de Turku, na Finlândia, capturaram imagens de ressonância magnética de 37 pessoas enquanto assistiam a longas do gênero. Cerca de 72% dos voluntários afirmaram ver pelo menos um filme de terror a cada seis meses, e o estudo identificou ativação em áreas associadas ao medo concreto, como a amígdala e o córtex pré-frontal, além de aumento do batimento cardíaco e da sudorese.
Ou seja, os filmes de terror podem ativar as mesmas áreas cerebrais envolvidas em experiências traumáticas reais, mesmo quando sabemos que aquilo é ficção. Pessoas com maior empatia ou sensibilidade sensorial tendem a reagir de forma mais intensa, e perfis mais suscetíveis ao medo podem desenvolver fobias, transtornos de ansiedade e distorções cognitivas com a exposição repetida a imagens violentas. Crianças e adolescentes são especialmente vulneráveis, pois ainda não possuem maturidade emocional para diferenciar completamente a ficção da realidade.
Para algumas pessoas, essa resposta é fonte de prazer. A descarga de dopamina e adrenalina gera euforia e alívio quando o perigo passa, o que explica o fascínio de muitos pelo gênero, uma forma segura de experimentar emoções intensas sem risco real. Para outras, especialmente aquelas com histórico de trauma, ansiedade ou alta sensibilidade emocional, o efeito pode ser devastador. A exposição a cenas violentas ou assustadoras pode desencadear crises de ansiedade, reações psicossomáticas e até episódios de dissociação, em que a mente se desliga da realidade para suportar o estresse.
Além da reação fisiológica, o conteúdo simbólico dos filmes de terror também merece atenção. Essas narrativas costumam tocar em medos universais, abandono, perda de controle, morte, invasão do lar, corpos violados, e, quando combinadas a estímulos visuais e sonoros intensos, despertam reações que escapam ao controle racional. Pessoas com traumas não elaborados podem ter respostas desproporcionais a determinadas cenas, já que o terror da tela pode reativar dores inconscientes.
Ainda assim, é impossível ignorar o fascínio social pelo medo. A cultura pop transformou assassinos, zumbis e psicopatas em ícones de entretenimento, ao mesmo tempo em que invisibiliza medos reais como a solidão, o luto, a rejeição e a instabilidade emocional. Criamos, assim, um paradoxo curioso: fugimos das dores do cotidiano, mas corremos para o cinema em busca de monstros ficcionais. Talvez porque o terror da tela seja mais suportável que o da vida real, ou talvez porque, ao enfrentar o medo em um ambiente controlado, possamos treinar o cérebro para lidar melhor com situações ameaçadoras.
De fato, há benefícios no consumo moderado de filmes de terror, já que eles funcionam como simulações emocionais capazes de ajudar o cérebro a treinar respostas diante do medo, desenvolvendo resiliência e controle emocional em contextos seguros. Para algumas pessoas, o terror é uma forma de catarse, um espaço simbólico para liberar emoções reprimidas e vivenciar o enfrentamento de perigos sem consequências reais. O problema surge quando essa exposição se torna excessiva, compulsiva ou usada como válvula de escape para evitar dores profundas, nesse caso, o entretenimento pode se transformar em gatilho para o sofrimento psíquico.
Reconhecer os próprios limites é fundamental. Não há vergonha em evitar conteúdos que provocam mal-estar, nem em buscar ajuda profissional caso o medo se torne paralisante. A mente humana é complexa, e o que diverte uns pode adoecer outros. Mais do que escolher entre gostar ou não do gênero, é importante compreender o que o medo desperta em cada um de nós, porque ele não fala apenas de monstros e fantasmas, mas de tudo aquilo que a mente tenta esconder. O terror, nesse sentido, serve como um espelho que reflete nossas angústias, vulnerabilidades e desejos mais profundos, e saber encará-lo, seja nas telas ou na vida real, é um exercício de autoconhecimento.
*Aline Victor Lima é psicóloga clínica e coordenadora do Núcleo de Psicologia Forense da BRAPSI. Pós-graduanda em Psicologia Forense pela Faculdade Volpe Miele, atua como pesquisadora acadêmica na produção de cursos, congressos e palestras voltados ao estudo do comportamento humano. Com experiência clínica e passagem pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, dedica-se a aproximar profissionais e estudantes dos conhecimentos aplicados à psicologia forense.

