Seleção reúne crônica, matemática e ensaios de escritores brasileiros
No Dia Nacional do Livro, celebrado nesta quarta-feira (29), a editora Tinta-da-China Brasil destaca títulos de autores brasileiros do seu catálogo.
A seleção inclui uma viagem literária pela crônica brasileira conduzida por Humberto Werneck, além de uma aventura matemática apresentada com paixão por Marcelo Viana. São lançamentos de 2025 que ampliam o repertório de seus leitores, ao mesmo tempo que oferecem uma leitura leve e prazerosa.
Outro livro imperdível publicado neste ano é Antes do início, de Ernesto Mané, um ensaio autobiográfico que trata de memória e ancestralidade. As obras brasileiras da Coleção Ensaio Aberto publicadas em 2023 e 2024 oferecem um olhar filosófico inédito à literatura universal.
A seleção mostra a diversidade da produção nacional publicada pela casa.
Confira:
A descoberta dos números: uma aventura matemática, de Marcelo Viana
Desde quando começamos a contar carneiros no pasto com pedrinhas até os algoritmos Deep Blue e AlphaGo, que aprenderam a jogar xadrez e go melhor do que nós, a história dos números é repleta de descobertas fascinantes. Neste livro inédito, Marcelo Viana, diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e autor do sucesso de vendas Histórias da matemática, percorre toda essa trajetória com clareza e entusiasmo, unindo a precisão científica à generosidade de um professor comprometido em democratizar o conhecimento.
Cada capítulo traz curiosidades, ilustrações e reflexões que transformam conceitos abstratos em experiências concretas e vívidas, além de minibiografias dos cientistas que protagonizaram essa jornada. Num texto que cativa iniciantes e especialistas, Viana explora todo o espectro de categorias numéricas: dos naturais e primos aos surreais e hipercomplexos, passando por racionais, incomensuráveis, negativos, imaginários e infinitésimos, entre tantos outros.
Embora a matemática possa parecer uma ciência fria e objetiva, este livro traz temas que foram e são objeto de controvérsias, disputas e paixões. É o caso dos números negativos, plenamente aceitos só há pouco mais de um século — antes disso, era difícil admitir que existisse alguma coisa menor do que zero, e até hoje há quem questione a regra de que menos vezes menos dá mais, comprovada pelo autor de modo exemplar.
Viana desmente mitos, como o de que a razão áurea e os números de Fibonacci estão por toda parte e por trás da construção de grandes obras da arquitetura, como o Partenon e o Taj Mahal. Ao mesmo tempo, revela que de fato a disposição das sementes na flor da camomila segue padrões matemáticos, assim como certas obras de Portinari.
Transitando com naturalidade entre a mitologia, a biologia e as artes visuais, o autor combina a erudição de um humanista com a obsessão de um matemático que tem como missão democratizar o conhecimento. A descoberta dos números conta com o traço original de Rafael Sica e é uma espécie de almanaque ilustrado para todas as idades. Para quem ainda vê a matemática como uma ciência árida, este livro conciso e abrangente é uma oportunidade de enxergar os números sob novos ângulos — e descobrir a beleza que eles escondem.
Antes do início, de Ernesto Mané
Em 2010, o físico paraibano Ernesto Mané embarca numa travessia geográfica e afetiva para realizar um antigo anseio: conhecer a família paterna na Guiné-Bissau. Ele sai dessa experiência de alguns meses profundamente transformado. Quinze anos depois, o agora diplomata de carreira e cidadão guineense dá forma literária a seu diário da viagem neste Antes do início, que chega às livrarias pela Tinta-da-China Brasil. Nas palavras do escritor e curador angolano Kalaf Epalanga, que assina o texto da orelha, o livro é uma “obra rara”, em que “a grande tragédia africana é narrada na mesma frequência de autores como Ta-Nehisi Coates ou Mia Couto”.
Hospedado na casa de uma tia em Bissau, o narrador aguça a escuta para aprender com as tradições e crenças de seus avós, tios, irmãos, primos e sobrinhos, enredando-se em seu dia a dia. Vai até o interior para visitar os avós, que vivem em condições precárias em uma bolanha, uma plantação de arroz. O futuro diplomata atua como mediador dos conflitos de seus familiares, marcados pelo abandono de um pai que jamais está lá, mas parece estar sempre presente.
O tom vai do otimismo com o potencial cultural e político do país ao desalento diante do destino trágico da África pós-colonial. Mané muitas vezes sente-se impotente. Para sua surpresa, nas ruas de Bissau é tratado como branco pela primeira vez, por seu modo de se vestir, falar e se comportar.
Depois da viagem, entre laboratórios, centros acadêmicos, postos diplomáticos e aeroportos pelo mundo, Mané elabora suas respostas para o velho racismo guardado nas memórias de infância. Na tentativa de resistir a essa violência histórica e reconstruir uma identidade esfacelada pela diáspora africana do século XX, o filho se aproxima do pai. Entre as resoluções tomadas na viagem está o pedido da dupla cidadania guineense e brasileira.
As questões mais íntimas se desdobram em reflexões filosóficas e universais quando o autor se pergunta quem é, de onde vem, para onde vai — e para onde se vai como corpo negro no mundo. Numa escrita sóbria e sensível, que se move com naturalidade entre o diário de viagem, a memória e o ensaio, Mané busca seu próprio “t = 0”, o tempo zero da física, para fundar um espaço de pertencimento e reconciliação.
Viagem no país da crônica, de Humberto Werneck
Os autores da era de ouro da crônica brasileira podem até se contar nos dedos das mãos, mas os temas e lugares incomuns encontrados nos textos aqui reunidos tornam Viagem no país da crônica uma leitura farta e variada, que nos fala do Brasil de certo tempo e do mundo em qualquer tempo.
Tudo é matéria para a crônica — do eclipse ao uísque, do mar à morte, da fé às fotografias, da chuva aos golpes de Estado —, desde que o tratamento dado a essa matéria seja o de quem está sentado ao meio-fio (ou ao rés do chão, como define Antonio Candido), jogando conversa fora, com a pressa ditada pelos prazos de entrega. Será então a crônica o “patinho feio” da literatura?
Mais do que tentar definir o gênero, este livro costura crônicas amigas e anedotas saborosas, percorrendo o ano de janeiro a dezembro, com seus sábados, carnavais, primaveras e maios. Entre os autores citados estão Clarice Lispector, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Rachel de Queiroz, Rubem Braga — e quem lança luz sobre cada pérola cunhada por eles é Humberto Werneck, uma ponte entre a geração que floresceu nos anos 1950 e a contemporânea.
“Para esta Viagem no país da crônica, tenha certeza, não poderia haver melhor condutor.” — Guilherme Tauil
Histórias da matemática: da contagem nos dedos à inteligência artificial, de Marcelo Viana
Com prosa clara, repleta de humor e de histórias fascinantes sobre figuras eminentes e problemas importantes da matemática, o matemático (e cronista) Marcelo Viana desvenda para o leitor não apenas a relevância da disciplina, mas também seu encanto.
Partindo de Pitágoras, passando por Newton e pela explicação de como Fibonacci ensinou os europeus a contar, o autor chega às questões contemporâneas, como a bola de futebol da Copa do Mundo, o funcionamento da brincadeira de amigo secreto e os tradutores automáticos turbinados pela inteligência artificial. Iniciados e não iniciados em matemática terão neste livro uma fonte de prazer e conhecimento, com rigor, clareza e graça raramente reunidos em uma mesma obra sobre o tema.
Coleção Ensaio Aberto, que une literatura e filosofia
A parte maldita brasileira: literatura, excesso, erotismo, de Eliane Robert Moraes
Com os olhos voltados para a literatura brasileira desde o final do século XIX até hoje, a autora reúne os ensaios que marcam sua notável trajetória de crítica literária. Machado de Assis, Hilda Hilst, Nelson Rodrigues, Roberto Piva e Reinaldo Moraes são alguns dos nomes aos quais a ensaísta dedica sua reflexão, inspirada pelas concepções de Georges Bataille em torno da falta e dos excessos.
“É este o tipo de obra de que necessitamos, mais do que nunca — aquele que nos convida a lidar com o caráter imaginativo da literatura em seus extremos mais gozosos e horripilantes.” — Amara Moira na orelha do livro
Não escrever [com Roland Barthes], de Paloma Vidal
Paloma Vidal acompanha os passos de Roland Barthes, investigando a obra do famoso crítico francês e questionando a sua própria escrita. O que levou Roland Barthes a não escrever o romance que desejava, no fim de sua vida? Uma reflexão poética sobre como a rotina, os medos, o corpo e as dúvidas se entrelaçam na criação de uma obra.
“A obra formalmente mais inquieta de Vidal, ao implodir fronteiras entre os gêneros literários.” — Leonardo Gandolfi para a revista Quatro Cinco Um
O mar, o rio e a tempestade: sobre Homero, Rosa e Shakespeare, de Pedro Süssekind
Combinando diferentes perspectivas críticas e tendo a filosofia como ponto de partida, o professor, pesquisador, ensaísta e ficcionista Pedro Süssekind põe em diálogo nos ensaios aqui reunidos a Odisseia, Rei Lear e Grande sertão: veredas, oferecendo uma leitura original que percorre a história das ideias e da recepção, desde a Grécia Antiga, passando pela Inglaterra moderna, até o Brasil contemporâneo. O livro foi finalista do prêmio Jabuti Acadêmico 2025.
“Como é notável, os tópicos contemplados nos ensaios são bastante complexos e aparecem nitidamente identificados nas obras literárias, o seu trato é bastante difícil, no entanto, a escrita clara e direta, aliada à abordagem que privilegia as obras examinadas — sem forçá-las ao enquadramento filosófico —, fazem do livro de Süssekind, ao mesmo tempo, um penetrante e sofisticado estudo de interesse de estudiosos e uma elaborada apresentação tematizada, transitável pelo público mais amplo com pouco conhecimento das obras literárias de referência.” — Gabriel Geller Xavier na revista Rosa
Sobre a Tinta-da-China Brasil
É uma editora de livros independente, sediada em São Paulo, gerida desde 2022 pela Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos. Sua missão é a difusão da cultura do livro.
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